quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Não tão longe


O lago abaixo de seus pés fazia com que os pingos de chuva ressonassem em seus ouvidos. Aquele som perturbava sua mente, mas de certa forma era um som que precisava ouvir; estava cansado de estar em paz. Queria perturbações, queria a chuva que molhava suas feridas, queria os trovoes sobre sua cabeça.
Lembrou-se daquela risada ridícula que ouviu uma vez num bar. Riu sem humor nenhum daquele grito que ouviu, numa noite chuvosa como aquela. Sabia o que estava fazendo ali, naquela estrada pra lugar nenhum, e quis que alguem estivesse ali para lhe impedir.
Ninguém estava lhe procurando, tinha certeza disso. seu celular já estava no fundo do poço negro em que se transformara o lago, junto com o guarda-chuva, mas sabia que ninguém tentaria ligar. Quis um lugar para ficar, um lugar a salvo. E não estava sozinho.
Um lugar, ou alguém? Não, um lugar. Já estava com alguem: a chuva lhe fazia companhia, lavava sua mente e seu sangue; logo seus machucados estariam limpos. Lembrou-se a dor, dos seus gritos quando se machucou, disseram que gritava por misericórdia e salvação. Ninguém poderia lhe salvar, somente a chuva curaria seus males. Internos e externos.
Queria outra ponte, outro lago, quem sabe um rio, outro cheiro, outro gosto. O gosto da chuva daquele lugar já estava enjoando, queria provar outro sabor. Diziam que a chuva do norte tinha gosto de lágrimas; os pingos do sul tinham gosto de solidão. Olhou para baixo, pensando na altura em que estava. Cinco, seis, talvez sete metros. Pensou nas horas.
Devia ser tarde, nunca chovia assim durante o dia por ali. Seu rosto molhado encarou o asfalto sob seus pés descalços. Sem pensar, tirou as calças e a jaqueta. Riu. Sua camiseta estava manchada, talvez levasse uma bronca por isso, se lhe encontrasse. Quando lhe encontrasse.
O colar deixou sob o muro de contenção, feito de pedra. Como se concreto algum dia tivesse impedido alguém de fazer alguma coisa, como se alguma coisa tivesse impedido a força da natureza. A sua força. 
Olhou pela ultima vez para o cordão dourado, concentrando-se no cheiro que ele continha, cheiro de lembranças suas. Seus últimos suspiros. Sua ultima risada. Fechou os olhos, respirou a chuva que tanto detestava, sua única amiga naquele momento, sua única testemunha.
E pulou.




Mary.




I'm with you - Avril Lavigne
One last breath - Creed





3 comentários:

  1. Eu gosto dos teus pequenos contos e ficarei aguardando para muito breve um maior, quem sabe dez páginas... E quem sabe com tema mais feliz, se bem que também escrevo algo da tristeza normalmente... rs

    ResponderExcluir
  2. ...com toda sinceridade do mundo?pegarei isso como uma analogia a tudo que vem acontecendo...(L) LS

    ResponderExcluir
  3. Mergulhar em outras aguas não precisa necessariamente ser o fim. Pode ser uma boa forma de recomeçar...Beijo

    ResponderExcluir